POR TATIANE CRIS NUNES
Se existe algo de maravilhoso no ser humano é a sua capacidade de realizar. Muitas vezes, basta que um elemento ou evento dispare, e estamos diante da feitura de coisas tão maravilhosas que se insinuam enquanto milagres. O grande motor que parece manter vivo o encanto contido na vida e que torna o mundo maravilhoso em alguns momentos parece morar na capacidade e na vontade que existe em cada ser humano de realizar algo com o mais puro amor e total doação.
Basta que a gente se coloque diante do mar: seja de morros em Minas Gerais, de ondas verdes no Ceará, de gente no Carnaval de Salvador _ essa quantidade de terra, ventos, gotas de água salgada ou doce, essa infinitude de matéria viva _ para que a gente se deixe tocar pela ponta dos dedos do mistério da vida.
Cada um dos elementos que compõem todos os corpos e que integram um sistema que, mesmo imperfeito, teima em funcionar de forma miraculosa, é milimetricamente regido, orquestrado, e faz funcionar a engrenagem da Roda Gigante da vida.
É coisa curiosa de se pensar: o mundo é vivo. A vida é vida. E acontece e se estende para além de nós.
Pensar assim significa pensar que cada pessoa é a gota d’água e o grão de areia que canta Renato Russo, mas é, ao mesmo tempo, o ser humano “estranho e ímpar” de que nos lembra o verso de outro poeta: o itabirano Drummond.
Pensar assim é oportuno porque nos dá luz para a compreensão de dois fatos: somos todos pequenos, enquanto grãos de areia. Ou seja, nenhum é maior que o outro. Mas na mesma condição de grãos de areia, basta uma tempestade trazer um raio e cada ínfimo grão pode virar parte de um cristal.
Ser humano é ser puro potencial. E parece existir para cada pessoa uma capacidade inimaginável de realizar o maravilhoso. Muitas vezes são esses raios em plena tempestade os disparadores do milagre. E não é difícil de listar evidências disso.
Basta dirigir um olhar para a história do menino do interior que vivia na copa das árvores ao invés de ir para a lida, rechaçado pelo pai, e que mais tarde transformou essas memórias em poemas e confidências. Um menino que se tornou um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.
Basta dirigir um olhar à história do médico que proseava com os sertanejos conversas tecidas de neologismos e que escreveu simplesmente o livro da vida, que se passa no “Grande Sertão”.
Há quem chame de talento. E há quem diga que o talento pode ser nato. Que pode ser inato. Mas para além da importância de pensar sobre o talento, está essa clareza: somos parte de um todo tão perfeito, que esse todo respingou em nós pequenos traços, pouquinhas gotas dessa perfeição. E não é preciso muito mais do que esses traços para que possamos chegar ao máximo de nossas potencialidades.
Esqueçamos assim, por um minuto, a palavra talento. Porque o potencial humano se desdobra e se derrama sobre todas as coisas possíveis de serem feitas: um poema, uma tela, um bolo, uma casa, um canteiro de flores, uma colcha de retalhos. Cada coisa, grande ou pequena, que fazemos com doação é uma grande expansão de nós mesmos, e que cresce e se torna imensa no momento em que alcança outras pessoas, transformando o mundo, instantaneamente, em algo encantador por um breve ou longo espaço de tempo.
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