Por Pamela Camocardi
Machado de Assis era persuasivo, inteligente e conhecia a alma humana como poucos. Pronto! Não precisava de mais nada para trazer à literatura uma forma única de escrita: romances com interações entre leitor e autor. Com maestria e histórias (quase) reais, o autor fez uma sociedade, tão criticada por ele pela futilidade, repensar em seus conceitos.
Machado é um ícone literário: mestre com palavras, possuía o dom da persuasão como poucos. Há quem comparasse Machado à Freud e à Nietzsche e o motivo não poderia ser outro: entendia a alma humana como ninguém e utilizava-se disso para levar o leitor a pensar sobre suas próprias atitudes.
Com obras que andaram de mãos dadas com a filosofia, seus livros escondiam, nas entrelinhas, gritos de revolta de uma sociedade injusta e fútil. O autor possuía uma ironia peculiar e, frequentemente, trazia nos diálogos e nos enredos de seus livros, sua visão crítica dos comportamentos e dos costumes da sociedade da época.
Machado trabalhava com maestria as palavras e o (bom) leitor consegue perceber essa atitude no desfecho de seus romances. Seus diálogos eram diretos, suas mensagens não. Entender o que as atitudes de suas personagens tentavam transmitir aos leitores, era o grande desejo do autor. Desse desejo surgiu a característica mais marcante das obras machadianas: a conversa direta com o leitor, que acontece, em todos os seus romances, das mais diversas formas, Machado traz o leitor para a história, como que se precisasse da opinião do leitor no desfecho do enredo. É, realmente, impressionante a forma como isso acontece.
A perfeição com que tecia esse diálogo era tamanha que, vez ou outra, o leitor sente- se personagem da obra. O narrador é tão minucioso com as palavras que, em suas rápidas interrupções, permite que o leitor participe, de forma indireta da história e até ouse, interiormente, dar conselhos aos personagens, acreditando ser capaz de mudar o percurso da história. Exemplo disso é o clássico romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, escrito por Machado de Assis em 1880 e publicado um ano depois: (…) “Talvez espante ao leitor a franqueza como lhe exponho e realço a minha vida”. Aqui, bem ao estilo machadiano, o narrador expõe seu ponto de vista de forma nua e crua, sem medo de ferir e desmascarar a sociedade que julgava hipócrita e injusta. Por muitas vezes, o narrador chegava a insinuar que, caso o leitor não se agrade de sua forma de escrever, deixe de ler seu livro (no caso Brás Cubas, já que o personagem não acredita na humanidade). Quando narra: “Sinto que o leitor estremeceu”, demonstra pressentir os sentimentos do leitor diante das situações da narrativa. Ainda no início do livro, o autor tem um diálogo direto com o leitor: “Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho o que fazer; e, realmente expedir alguns magros capítulos para este mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem…”
No romance Dom Casmurro, obra mais famosa do autor, Machado se dirige ao leitor em diversos momentos e nas mais variadas formas, das mais formais às mais íntimas. Já no primeiro capítulo, quando o narrador explica o título da obra “casmurro” ao leitor: “Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo.” Aqui, percebe-se que o narrador orienta a leitura previa do leitor para que ele não se perca e entenda seu enredo. Logo após, os diálogos mostram intimidade entre leitor e narrador. A apresentação das personagens, para que o leitor não se perca em nenhum momento e entenda o papel de cada um na história, o narrador descreve minuciosamente a família e o círculo de amizades de cada um. Exemplo disso é o capítulo em que Santiago apresenta sua mãe, Dona Glória: “Tenho ali na parede o retrato dela, ao lado do marido, tais quais na outra casa.” Nesse trecho, a impressão que leitor tem é que está vendo o retrato, tamanha é a riqueza da descrição.
Mais formalmente, o narrador dirige-se à leitora explicando que a culpa dos seus sentimentos é de Capitu:“Tudo isto é obscuro, dona leitora, mas a culpa é do vosso sexo, que perturbava a adolescência de um pobre seminarista.” O fato de dirigir-se ao leitor de forma direta e objetiva demonstram o respeito e a preocupação do narrador pelo leitor. O cuidado em saber o que está pensando, deduzindo e sentindo. O comportamento humano entre autor/leitor/obra nessa perspectiva permitem que a história aconteça como que (quase) naturalmente e isso permite que a leitura crítica aconteça efetivamente. Expressões como “caro leitor”, “amado leitor” ou “curioso leitor” não são usados por Machado em vão. O narrador sabe o valor do leitor no processo da leitura e cria um vínculo de afetividade ao mesmo tempo que respeita sua inteligência, sua opinião, seus sentimentos e sua forma de ver o mundo, construindo a partir desse elo significativas releituras e diversos modos de ler as entrelinhas de suas obras.
De tudo isso, o melhor é que, já que não tivemos o prazer da presença, desfrutamos das palavras machadianas, nas formas de conversas irônicas das narrativas românticas e que sempre nos trazem uma sabedoria ímpar. Talvez, entre um café e outro, possamos entender que suas críticas estão mais atuais do que nunca.
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