Por Pamela Camocardi
Polêmico, sincero e objetivo. José Saramago, é autor de poemas, contos, crônicas, ensaios políticos, peças de teatro e romances. Recebeu o Prêmio Camões em 1995, título máximo oferecido aos escritores de língua portuguesa e o Nobel de Literatura (1998), o primeiro concedido a um escritor de língua portuguesa. Pronto, devidamente apresentado vamos ao que proporcionou ao escritor uma fama merecida: sua (nem sempre doce) sinceridade.
Saramago possui um estilo peculiar de escrita: sempre objetivo com as palavras e convicto com suas verdades, a forma de escrever de Saramago era incomum. O autor utilizava um estilo oral (tradição dos contos populares) na escrita e priorizava a comunicação em vez da ortografia, deixando, muitas vezes para segundo plano, a utilização correta da pontuação. As frases e os períodos de suas obras, além de serem longos, possuem uma pontuação nada convencional e os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros.
Famoso por seu livro “Ensaio sobre a Cegueira” , Saramago é considerado um dos escritores mais polêmicos da literatura mundial. Defendia seu ponto de vista com objetividade e inteligência suficiente para provar aos contrários de sua razão. O senso de justiça era tamanho que em 29 de junho de 2007, constituiu a Fundação José Saramago para a defesa e difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos problemas do meio ambiente.
Em “Ensaio sobre a cegueira (1995)” e “Ensaio sobre a lucidez (2004)”, dois romances que, já pelo título, chamam a atenção do leitor e deixam óbvio a temática. Referem-se a duas ideias opostas: cegueira e lucidez. Nos dois ensaios, Saramago retrata a temática da condição humana em sociedade, descrevendo os valores socioculturais criados e mantidos e o que eles acarretam a todos, além de mostrar, através das personagens as contradições e os sentimentos que o ser humano vivencia durante a vida: autoridade, egoísmo, tirania, hipocrisia, medo, amor, violência, repressão, ambição, corrupção, individualismo, moralidade, estrutura familiar, apego aos bens materiais, religiosidade, crença, justiça, patriotismo, tradição, solidariedade, vergonha, pudor, orgulho e poder. Ficando, dessa forma, claro, o motivo pelo qual o autor é considerado um dos autores mais comentados da contemporaneidade.
Com uma personalidade forte e palavras bem direcionadas, Saramago escreveu sobre os mais diversos temas, levando à conscientização uma geração acomodada por costumes antigos. Em ‘Lancelot (1997)’, o autor ressalta a importância da democracia e a forma como ela deveria se efetivar na sociedade, ora com traços de esperança, ora com indignação: “Eu acho que é preciso continuar a acreditar na democracia, mas numa democracia que o seja de verdade. Quando eu digo que a democracia em que vivem as atuais sociedades deste mundo é uma falácia, não é para atacar a democracia, longe disso. É para dizer que isto a que chamamos democracia não o é. E que, quando o for, aperceber-nos-emos da diferença. Nós não podemos continuar a falar de democracia no plano puramente formal. Isto é, que existam eleições, um parlamento, leis, etc. Pode haver um funcionamento democrático das instituições de um país, mas eu falo de um problema muito mais importante, que é o problema do poder. E o poder, mesmo que seja uma trivialidade dizê-lo, não está nas instituições que elegemos. O poder está noutro lugar.”
Em Canarias (1997), escancarou a verdade para os leitores e mostrou-se indignado com o comportamento humano diante de certas situações: (…)”Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegamos a isso, não somos seres humanos. Talvez cheguemos um dia a sê-lo, mas não somos, falta-nos mesmo muito. Temos aí o espetáculo do mundo e é uma coisa arrepiante. Vivemos ao lado de tudo o que é negativo como se não tivesse qualquer importância, a banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo se for a morte dos outros, claro.”
O leitor de Saramago tem uma certeza: não há como desvincular o autor e da sua obra. Os textos são verdadeiras flechas no peito do leitor, pois leva-o a reflexões sobre alguns comportamentos inadmissíveis da sociedade atual. Revelam situações que levam o homem a pensar na sua condição social e mudar, de alguma forma, sua forma de ver o mundo.