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Não deixa de ser curioso observarmos a existência de uma certa luta de poder entre a mente e o corpo, que tenta de todas as formas manter seu direito a uma existência autônoma, livre da influência da razão – que procura mandar em tudo. Essa parte da vida interior, que pensa, ouve, fantasia e faz planos também gostaria muito de interferir sobre o funcionamento do nosso corpo. Quando tenta, quase sempre sai perdendo.
Na hora de adormecer, por exemplo, se quisermos fazer com que o processo se desenrole de acordo com nossos desejos racionais, viveremos um desastre. Quem disser para si mesmo “já é meia-noite e amanhã tenho de me levantar cedo, portanto preciso dormir imediatamente” provavelmente passará boa parte da noite em claro.
Na função sexual masculina, o processo assume proporções dramáticas. Quando um homem, por alguma razão irrelevante, experimenta um fracasso – incapacidade de ereção – durante uma relação sexual, aquilo que até então ocorria com naturalidade passa a ser o tema central das suas preocupações. Na aproximação seguinte, ele já não tem condições de prestar atenção à mulher e nem mesmo de se deliciar com seu corpo.
Está mais do que tudo atento ao seu pênis, olhando para ele com o objetivo de verificar se ele está enrijecido. O que acontece? O pênis se encolhe em vez de enrijecer. Assim, a preocupação com o desempenho passa a ser a maior causa das crises de impotência sexual. O indivíduo só conseguirá normalizar suas relações se for capaz de se despreocupar. Mas quem consegue isso? Não é nada fácil. A verdade é que muitas das técnicas psicoterápicas têm por finalidade criar condições para que ele consiga ficar livre da preocupação com o próprio desempenho.
É minha convicção antiga a de que o mesmo também acontece com a questão da obesidade. Se uma pessoa ganha alguns quilos por qualquer motivo banal – por exemplo, a gestação ou o início da vida conjugal –, ela pode desenvolver grande preocupação com o assunto e imediatamente tratar de usar sua razão para impor ao organismo determinadas restrições alimentares, que supostamente farão o peso voltar aos níveis anteriores. Até aí, tudo bem. Nada mais lógico que se faça uso da razão para algo que depende de procedimentos concretos que poderão ajudar a atingir os objetivos.
Muitas pessoas, porém, desenvolvem uma obsessão pelo tema. Têm pavor de voltar a engordar. Começam a se pesar diariamente e a regular cada azeitona a mais que ingerem. Impõem a si mesmas restrições e proibições rigorosas. O que até então era natural e espontâneo – o comer por prazer e por necessidade – começa a sofrer uma fiscalização rigorosa e permanente. O que acontece? Tais pessoas têm enorme chance de se tornarem obesas. Além do mais, é sempre bom lembrar que, ao estabelecermos um sistema rígido e restritivo, estaremos apenas aumentando o desejo por aquilo que foi proibido. O que vale para o sexo vale também para o chocolate e para a feijoada.
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