Texto do site Tudo sobre minha mãe
Acho que ser filha de Vinicius de Moraes não é tarefa fácil para uma menininha. Mas esse era meu pai e eu tive que aprender a me virar com isso. Talvez a curiosidade venha não só por ele ser famoso, mas também por ser um homem muito desprendido. Um boêmio.
E como gostava de casar. Nove vezes!!! Então quando eu começava a me acostumar com uma madrastra e com a casa, meu quarto e tal, tinha que começar tudo de novo com uma nova madrastra, nova casa, etc… Tinha um lado bom nisso. Se eu não gostasse da madrastra não teria que conviver com ela para o resto da vida.
Depois de algum sofrimento e muitos anos de análise, comecei a aceitar e entender melhor aquele homem e a perceber que meu pai era uma pessoa muito importante para um montão de gente. E não só do Brasil mas de outros países também.
Ele era um poeta e “um poeta que viveu como um poeta”, segundo Carlos Drummond de Andrade. Ele me dá muito material para eu lidar com a vida. Penso em alguma coisa e vejo que ele já escreveu sobre isso. Todo mundo já leu: “Filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos, como sabê-los”. Pense só se este poema dele não me influencia até hoje na minha relação com a minha filha, sua neta? Ela infelizmente não conheceu o avô, ele morreu em 1980 e ela nasceu três anos depois.
Ele fazia letras de música e músicas também. Músicas tão lindas que já me faziam chorar de emoção ainda muito pequena. Na noite em que eu nasci, ele compôs uma em inglês pra mim, com o meu nome, “Georgiana” (que está no álbum “Miúcha canta Vinicius & Vinicius”). E também fez o mesmo para os meus outros quatro irmãos (Susana, Luciana, Pedro e Maria) – eu sou a terceira dessa trupe.
Quando eu tinha 3 anos o meu pai escreveu sua peça “Orfeu da Conceição” só com atores negros, uma coisa avançada para aquela época. Ele era muito avançado. Ele tinha uma maneira muito livre de viver e isso definitivamente não era uma coisa muito fácil para quem vivia perto dele.
Aliás, exatamente sobre este período, agosto de 1955, ele conta num de seus inúmeros diários, quem estava com ele em Paris quando ele precisou se concentrar para escrever “Orfeu”: “E, naturalmente, minha filhinha Georgiana: a carinha mais marota que já se viu em qualquer latitude. O diabo é que ela, com tanta graça, me está perturbando consideravelmente na tarefa. Pois não me posso impedir de, a todo instante, perder o fio do ditado para vê-la atravessar o parque correndo…” E lá pelas tantas no mesmo diário, ele ainda diz: “Georgiana não dá uma folga”.
No Centenário de meu pai, fui convidada junto com minha irmã Luciana a visitar escolas que estavam lhe rendendo homenagens. Crianças ainda bem pequenas fizeram exposições, encenações e números musicais. Colégios inteiros! Como pode depois de tanto tempo crianças da Zona Sul, da Zona Norte, Rio, São Paulo, ainda se interessam por esse homem que teria hoje 100 anos?
Pois muitas destas crianças me encantaram com perguntas engraçadinhas. Uma delas queria saber, por exemplo, se meu pai me buscava na escola. E a resposta é não. Isto jamais aconteceu. Confesso que não me traumatizou. Eu, que sempre fui despachada e desinibida, gostava mesmo é do que sempre faziam comigo: me tiravam da minha sala de aula para mostrar para alguém de quem eu era filha.
E ele era bom pai? Muita gente me pergunta. Ele era um pai preocupado, daqueles que davam bronca e se importava com os nossos estudos. Mas é claro que ele foi ausente muitas vezes. Afinal, quem foi que esteve à frente de vários movimentos musicais importantes? Quem ganhou um Oscar e uma Palma de Ouro em Cannes? O que eu fiz então? Aprendi a tocar percussão e fui atrás dele. Me enfiei nos seus shows e pude conviver com ele e com a vida divertidíssima que ele levava.
Mas não pensem que foi fácil fazer parte da sua turnê (por vários lugares do mundo). Ele não queria que eu participasse de jeito nenhum. Depois de muita insistência, ele disse “tá bom”. Não queria me dar moleza, então eu não ia ganhar nada, e (imagina!) ainda tive que conseguir um lugar pra dormir, porque ele estava em lua de mel com uma argentina chamada Marta. Com o passar do tempo ele foi aprovando o meu trabalho no show. Sambava na minha frente no palco e dizia, t-o-d-a-s as noites, orgulhoso: “Essa aqui fui eu que fiz!”.
Georgiana de Moraes é casada e mora no Rio de Janeiro. É psicanalista, cantora, percursionista e empresária. Ela tem uma filha, que lhe deu 2 netos e ainda tem 2 netos “postiços” do seu marido. O blog agradece ela ter aceitado o convite para dar este depoimento.
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