No dia 19 de julho de 2014 concluiu sua peregrinação terrestre na cidade de Campinas, interior de São Paulo, um dos educadores brasileiros mais significativos: Rubem Alves (1933-2014). Nasceu em Boa Esperança, sul de Minas Gerais, mas tornou-se um cidadão do país inteiro.
Fui apresentado ao professor Rubem Alves em 1988, ano em que estava iniciando o Curso de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e, na disciplina Introdução à Filosofia, lemos seu livro “Conversas com quem gosta de ensinar” (Cortez/Autores Associados, 1980). Desde então me tornei um leitor voraz de seus escritos e inúmeras vezes tive a oportunidade de usufruir de momentos extraordinários com ele em palestras, congressos e semanas teológicas.
A educação como construção de sentido é a síntese de suas ideias pedagógicas. Ideias, entrementes, exageradas e inacreditáveis, que se tornaram provocadoras e educadoras dos sentidos. Rubem Alves coloca a ética e a estética no centro do processo educativo. Sua trajetória intelectual foi marcada exatamente pela defesa da tese de que a educação integral é um processo que implica harmonia, formação plena e autonomia e para conquistar essa condição torna-se necessário cultivar nas crianças o imaginário e o gosto pelo que é verdadeiramente bom e belo.
Daí o poeta-educador projeta, assim, o que ele denomina de “educação dos sentidos”: a educação que leva cada aluno a um mergulho na interioridade – lugar onde habita visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos –, mas tudo começa pelos sentidos. “Nossos sentidos – visão, audição, olfato, paladar e tato – são órgãos de fazer amor com o mundo, de ter prazer nele”, pronunciava com alegria como se fosse possuído pela experiência poética.
Há um texto delicioso em que ele diz: “a primeira função da educação é ensinar a ver”. Educar o olhar é a arte por excelência. Os revolucionários, os místicos, os poetas, os profetas, os videntes porque têm os olhos educados são seres apaixonados e a paixão é o segredo do sentido da vida para nunca deixar de ser criança. E o que faz uma criança? Literalmente brinca e faz “arte” e quer razão mais nobre para viver do que a arte de brincar?
Num de seus textos ele afirma: “arte e brinquedo são a mesma coisa: atividades inúteis que dão prazer e alegria. Poesia, música, pintura, escultura, dança, teatro, culinária: são todas brincadeiras que inventamos para que o corpo encontre a felicidade, ainda que em breves momentos de distração”.
Nos devaneios e fantasias da infância, coloridas imagens da paisagem e coisas extraordinárias, agradavelmente, se apresentam: ipês coloridos, beija-flor, borboletas… Um beijo tem poder de ressureição e de transformação (a Bela Adormecida acorda, o sapo torna-se príncipe). Ensinar pela fábula é acreditar no ser humano. Contar estórias é um ato de amor.
Porque sabia disso, Jesus ensinava, muitas vezes, por parábolas: o Reino do céu é como uma semente. O Reino do céu é como o fermento. O Reino do céu é como um tesouro escondido no campo. O Reino do céu é também como um comprador de pérolas preciosas. O Reino do céu é ainda como uma rede lançada em águas profundas. Todas essas parábolas mostram que o Reino tem algo de mistério e de profundidade. Portanto, é preciso sensibilidade para perceber essa realidade que nos faz cheios de alegria deixar tudo para adquiri esse tesouro, essa pérola preciosa.
Mas para captar a grandiosidade que habita a pequena semente. O fermento que na sua invisibilidade faz a massa crescer e ficar bem… o amor exige a coragem de lançar a rede em águas mais profundas. Que maravilhosa pedagogia poética e mística! Olhem os pássaros do céu… Olhem os lírios do campo… Quanta poesia, quanta leveza!
Basta uma olhadela nos escritos de Rubem Alves para encontrar um profundo ecoar dessa pedagogia mística/mágica e, por meio dela, ele nos ensinou a ver os significados ocultos do dia-a-dia, fazendo-nos amar ipês, jardins, animais, borboletas, vento, grãos de areia, enfim, os detalhes e a beleza do cotidiano.
Atribuidor de sentido, Rubem inovou, criando uma vastíssima obra com mais de uma centena de livros que nos faz entender a vida tanto pela parte científica quanto pela parte poética. Sem deixar nunca de lado a questão da espiritualidade, voltou suas reflexões para pensar a condição humana, dentro de uma sociedade que de tudo faz mercadoria, inclusive a vida.
Rubem possuía um sentimento agudíssimo de profunda mítica e sonhava com uma formação humana capaz de transformar as escolas “gaiolas” em escolas “pássaros”, por que sempre foi impulsionado pelo vôo e, educação de verdade, é que aquela que dá asas aos alunos. Rubem deixa um legado de fecundo humanismo e de leveza poética. Ele se inscreve na linhagem dos grandes pensadores que ajudam a humanidade a preservar viva a capacidade de contar estórias como um ato de amor.
Com emoção concluo esse texto e agora, em silêncio, no campus da Universidade Federal de Lavras, vou “batizar” um ipê amarelo que hoje está repleto de flores com o seu nome. Cada vez que olhar para ele vou lembrar-me do “contador de estórias” e tal como o Pequeno Príncipe que havia conquistado a raposa… E vou me sentir feliz contemplando os ipês de sua infância.