Por Caio Delcolli
Elisa é uma mulher solitária que mora sobre um cinema e trabalha de madrugada como faxineira em um laboratório secreto do governo norte-americano. É o início dos anos 1960 e a Guerra Fria tensiona cada vez mais ambos os lados da Cortina-de-Ferro; a União Soviética há pouco ultrapassou os Estados Unidos na Corrida Espacial ao tornar Yuri Gagarin o primeiro homem a chegar ao espaço sideral.
A personagem é muda e acompanha com olhos e ouvidos atentos o que acontece ao seu redor. Não é diferente quando ela vê algo novo chegar à instalação: um anfíbio humanoide com olhos curiosos e pele escamosa. Ele é grotesco — e absolutamente fascinante.
Interpretada por Sally Hawkins, Elisa é a protagonista de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017), o novo longa-metragem de Guillermo del Toro, resultado de uma ideia que o cineasta mexicano guardava consigo há 20 anos.
“Acho que o filme é muito bonito e está emocionalmente ligado a mim”, disse em entrevista ao Deadline. “Com alguma sorte, as pessoas se ligarão a ele. Mas, demograficamente, vai ser mal interpretado. É um antídoto para o cinismo — um filme de emoções que não se escondem. Será comovente para algumas pessoas. Outras o acharão acanhado.”
O diretor — também responsável pelo roteiro, escrito com Vanessa Taylor (Game of Thrones) — disse isto porque Elisa se apaixona pela criatura, vivida por Doug Jones. O relacionamento de ambos começa tímido. Ela conquista a simpatia e a companhia do anfíbio ao levar ovos cozidos para ele comer; Elisa o ensina a se comunicar pela linguagem dos sinais. Surge entre os dois uma amizade pura, que logo dá sinais de estar se transformando em outro tipo de relacionamento. No entanto, há fatores que podem impedi-los. A soma deles todos aparece na figura do violento Coronel Richard Strickland (Michael Shannon).
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Zelda, amiga e colega de trabalho de Elisa, é vivida por Octavia Spencer.
O militar, que capturou a criatura na Amazônia, recebe ordens de seus superiores para dissecá-la e assim, talvez, os EUA conseguirem alguma vantagem na Corrida Espacial. O cientista Robert Hoffstetler (Michael Stuhlbarg) insiste no oposto: o anfíbio deve ser mantido vivo para continuar a ser estudado.
Elisa, entretanto, discorda de todos. Ela elabora um plano para retirar a cobaia de lá e, para isso, conta com a ajuda de Elza (Octavia Spencer) e Giles (Richard Jenkins), uma colega de trabalho — que serve de intérprete da linguagem dos sinais pela qual Elisa se comunica — e seu vizinho, um ilustrador, respectivamente. São seus dois únicos amigos.
“O filme é sobre conectar-se ao ‘outro'”, afirmou del Toro à NPR. “A ideia de empatia, de como nós precisamos uns dos outros para sobreviver. E é por isso que o título original do roteiro que eu escrevi era Um Conto de Fadas para Tempos Complicados.” Não à toa, os únicos amigos de Elisa são uma mulher negra e um gay que está no armário.
Para os fãs do prolífico diretor, a criatura de A Forma da Água traz consigo uma narrativa à parte. O mexicano é chegado em monstros e várias de suas obras, sempre de fantasia, terror ou ficção científica, os têm como personagens que mostram sinais de humanidade tanto quanto, ou ainda mais, que os próprios humanos — em muitos casos, elas estão em enredos que só reforçam a conhecida aversão ao autoritarismo que o cineasta tem.
Ao vencer o Globo de Ouro de melhor direção poucas semanas atrás, ele contou à imprensa que, em três momentos específicos de sua carreira, teve sua “vida salva” por essas criaturas grotescas: além de A Forma da Água, ele falava de O Labirinto do Fauno (2006), pelo qual foi indicado ao Oscar de roteiro original pela primeira vez, e A Espinha do Diabo (2001), uma história gótica de fantasma toda filmada em língua espanhola.
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Doug Jones, ator frequente em produções de del Toro, retorna em ‘A Forma da Água’.
Durante toda sua carreira, seja no cinema, na televisão ou na literatura, del Toro tem ajudado a manter viva a tradição de criaturas fantásticas em histórias de ficção, com uma marca pessoal inconfundível.
“O que é belo para mim é que cada personagem [de A Forma da Água] que tem o poder da fala tem problemas em se comunicar. E os dois que não o tem — são mudos ou sem palavras — estão, na verdade, se comunicando lindamente”, explicou para a NPR.
Indicado ao Oscar em 13 categorias, incluindo melhor filme, diretor e roteiro original, o escamoso conto de fadas do mexicano é um dos concorrentes mais fortes deste ano. A promessa é que vença a rodo, uma vez que tem faturado os troféus mais importantes da temporada, como o Globo de Ouro de direção e o prêmio de melhor filme do Sindicato dos Produtores (PGA). Se vencer, 25 anos de monstros mágicos subirão no palco do Dolby Theatre, em Hollywood, para pegar o que merecem.
A Forma da Água estreia nesta quinta-feira (1). Tem 123 minutos de duração, classificação indicativa 16 anos e distribuição da Fox.
Indicações ao Oscar:
Filme (del Toro e J. Miles Dale);
Direção (del Toro);
Roteiro Original (del Toro e Vanessa Taylor);
Atriz (Hawkins);
Atriz Coadjuvante (Spencer);
Ator Coadjuvante (Jenkins);
Trilha Sonora Original (Alexandre Desplat);
Fotografia (Dan Laustsen);
Figurino (Luis Sequeira);
Edição de Som (Nathan Robitaille e Nelson Ferreira);
Mixagem de Som (Christian T. Cooke, Glen Gauthier e Brad Zoern);
Montagem (Sidney Wolinsky);
Design de Produção (Paul D. Austerberry, Shane Vieau e Jeffrey A. Melvin).
Já venceu:
Globo de Ouro — Melhor Direção e Melhor Trilha Sonora;
Critics’ Choice — Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Trilha Sonora e Design de Produção;
Sindicato dos Produtores (PGA) — Melhor Filme;
Festival de Veneza — Leão de Ouro e Melhor Trilha Sonora;
American Film Institute (AFI) — Filme do Ano
Outros filmes dirigidos e escritos por del Toro:
A Colina Escarlate (2015);
Círculo de Fogo (2013);
Hellboy II: O Exército Dourado (2008);
O Labirinto do Fauno (2006);
Hellboy (2004);
Blade II — O Caçador de Vampiros (2002);
A Espinha do Diabo (2001);
Mutação (1997);
Cronos (1993).
Ele também é roteirista da trilogia O Hobbit (2012–2014), de Peter Jackson, e cocriador das séries Caçadores de Trolls (Netflix) e The Strain (FX).